sexta-feira, 9 de novembro de 2007


Artigo:Sem Deus não haverá Humanidade nova – D Eduardo Benessexta: 29 de junho de 2007

Já o velho - sábio pagão - Aristóteles percebera que comandava a existência humana o desejo da felicidade. Mas em que consiste a felicidade? Onde encontrá-la? Freud colocou nas raízes da ação humana o princípio do prazer. Nisto ele está perto de Aristóteles. Mas, lendo Freud, fica-nos a sensação de que a vida civilizada, eticamente responsável, implica necessariamente sofrimento, renúncia à alegria de viver. Agostinho de Hipona, ainda pagão, deixou-se conduzir pelo desejo de ser feliz. Abriu duas frentes de busca: uma da inteligência, outra da concupiscência. Através da primeira peregrinou pelos caminhos da filosofia grega, detendo-se por um bom tempo no pensamento maniqueu, na tentativa de compreender o mistério do mal. Através da segunda envolveu-se em amores e afetos feitos de erotismo, que lhe deram um filho, Adeodato. Assim Agostinho descreveu essa experiência: "Para mim, o amor era muito mais doce se pudesse gozar do corpo da pessoa amada. Assim, conspurcava a fonte da amizade com a sórdida luxúria, e ofuscava sua luz com as paixões infernais. Era repulsivo e vulgar, mas com vaidade me ataviava como se fosse pessoa elegante e refinada. Caí nos braços do amor, pelos quais quis ser envolvido" Mas sobreveio o vazio: "Deus meu, minha misericórdia, como foste bom ao derramar fel abundante sobre meus prazeres! Fui amado, e cheguei, por caminhos tortos, a gozar, satisfeito, das cadeias que me prendiam com laços de tormento, para depois sentir o ferro em brasa do ciúme, da suspeita, do temor, da cólera e das contendas" (Confissões, liv. III,1.1). Seu coração continuava, pois, irrequieto, inquieto e atormentado. Professor de retórica em Milão, levado pelo desejo de conhecer o grande orador, Ambrósio, foi ouvi-lo. A questão da verdade se colocou para ele com novo vigor. Onde encontrar a felicidade? Lá onde ela estiver, lá é a pátria da verdade. Caro(a) leitor(a), o que é a verdade? Agostinho levou a sério a insatisfação de seu coração e a sede de sua inteligência. Já procurava, desde os começos da juventude, resposta para sua inquietação. Continuou procurando. Pesquisava, dentro, as razões e os anseios de seu coração e investigava fora, agora, nos livros sagrados do cristianismo, os caminhos que poderiam conduzir à plenitude da verdade. Chegou um momento em que tudo ficou claro. Ele não podia negar, seu coração continuava inquieto: não lhe respondiam aos anseios as experiências até então vividas. Sua inteligência começou a ver na proposta cristã a verdade que buscara nos filósofos gregos. Mas à verdade cristã só se chega plenamente pela entrega do coração. E seu coração relutava: "ia adiantada a decisão de desprezar as esperanças do mundo para seguir a Ti apenas". E Agostinho dizia para si mesmo: "onde está tua eloqüência? Dizias não te livrares das vaidades por não teres certeza da verdade: agora a verdade está clara, mas ainda pesam sobre ti as vaidades"..."Com que dureza açoitei minha alma, para que me seguisse na direção de Ti! Ela, titubeante, não ia, nem negava; todos os argumentos eram rebatidos, refutados; restava-lhe apenas uma muda incerteza. Temia como à morte largar aqueles hábitos que a matavam pouco a pouco" (Liv. VIII, 7.18). Santo Agostinho entrou em dolorosa agonia espiritual: "caído sob uma figueira, dei curso às lágrimas, que jorravam dos meus olhos como a fumaça de um sacrifício em tua honra...Sentia-me ainda preso ao meu passado, e por isso bradava em desespero: por quanto tempo direi ainda 'amanhã, amanhã'? por que não agora? Por que não pôr fim logo à minha indignidade?" (Livro VIII, 12,28). A experiência de Agostinho confirma o que o Santo Padre, Banto XVI, afirmou: "uma sociedade em que Deus está ausente não encontra consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo esses valores, mesmo contra os próprios interesses". Encontrar a plenitude da verdade sem Deus não é possível e muito menos decidir-se a viver dela. A inteligência de Agostinho, pela graça de Deus, tinha chegado a reconhecer a verdade. Seu coração, entretanto, não dava o passo da entrega. Mergulhado no desespero de sua impotência, com o coração cheio de amargura, Agostinho escuta a voz de um menino a cantarolar: "toma e lê...toma e lê". Agostinho toma o livro da carta de Paulo aos Romanos, abre-o, lê e escuta: "não em orgias e bebedeiras, nem em luxúria e na libertinagem, não nas rixas e na inveja, mas revestí-vos do Senhor Jesus Cristo, e não sigais a carne em suas paixões"(Rom13,13-14). "Lida a passagem, todas as trevas da dúvida se dissolveram, como se uma luz de certeza se espalhasse em minha alma"(Lvro VIII, 12,29). Aqui começa a alegria de seguir pelo caminho das virtudes. Agostinho foi então, depois de algum tempo, batizado junto com seu filho, Adeodato, "fruto do meu pecado". "Fomos batizados, e assim libertos de qualquer preocupação relativa ao passado"(Livro IX, 6.14). Começou uma vida nova. (Voltaremos ao assunto).


Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues

Arcebispo de Sorocaba (SP)

Nossa mãe, Maria



Escrever sobre a Virgem Maria é falar da bondade de Deus que se manifesta à criatura humana a partir daquela jovem de Nazaré que nos incentiva “a viver atentos às coisas do alto”, a fim de participarmos da glória de Seu Filho e, consequentemente, também de sua glória. Aliás, a vida toda de Maria é dedicada a contemplação silenciada do mistério de Deus em sua vida e ao mesmo tempo resposta ativa e transformadora dentro de uma cultura carente de respostas certas para as situações de desprezo à vida plena. Ela age assim porque está sempre unida a Cristo. É o jeito de toda mãe que acompanha seu filho mesmo sendo Este divino. Maria é Aurora e esplendor da Igreja triunfante, ela é consolo e esperança para o povo ainda em caminho.
Contemplando Maria, nos animamos a viver atentos ao convite do cristo e a fazer tudo o que Ele nos mandar. Cristo nos abre as portas do Paraíso e Maria é a mulher bendita na simbologia da mulher vestida de sol.
Contudo, se por um lado é vestida de sol, ela viveu nosso dia-a-dia . Vemos Maria em Nazaré, num lar, com os compromissos domésticos e familiares. Ligada à família, parte para Hebron para ajudá-la. Maria leva o filho em seu seio, o Filho divino. É símbolo da vida cristã que, unida a Cristo, se faz serviço aos irmãos. É mestra de vida animando todo o povo cristão a ser presença de Deus em sua simplicidade. Quando as duas mães se encontram, o Espírito se manifesta como realizador da alegria da redenção: “O menino exultou de alegria em meu seio”, grita Isabel. Cada cristão que crê tem a presença do Espírito que transforma tudo em alegria.
Maria, tocada pelo Espírito proclamado por Isabel, canta o louvor de Deus que a escolheu na humildade. Nessas duas mulheres se realiza o milagre da fé: uma estéril e outra virgem são mães de filhos benditos. A presença do Espírito, levado pelos humildes, poderá fecundar um novo mundo, pois a misericórdia de Deus é para todas as gerações, como Deus prometeu aos nossos pais. Ela está no Céu, continua entre nós em seu jeito de trazer Jesus.
Na história de Maria, me chama a atenção à forma misteriosa e absolutamente clara que Deus encontra para se manifestar em nossa história. Segundo a narração dos evangelistas, Isabel reconheceu em Maria a Mãe do Senhor do mundo: “Como posso merecer que me visite a Mãe de meu Senhor?” A presença de Cristo Senhor em Maria é transformadora. Quando dizemos evangelho, proclamamos a alegria. Cristo, em Nazaré, disse que veio trazer uma boa notícia. Maria traz alegria a Isabel. Maria canta a obra de Deus através dela, reconhecendo que sua misericórdia se estende de geração em geração. Essa misericórdia é transformante. Maria, como estrela da evangelização, quer dizer, a primeira a indicar os caminhos da evangelização, mostra que se cria o paraíso na terra através da mudança de vida do povo. Deus não quer ninguém sofrendo nem pela prepotência (derrubou os potentes do trono) nem pela miséria (encheu de bens os famintos). Celebrar Maria, nossa mãe é elevar os necessitados na história. Ela está no céu, mas continua amorosa na terra como mãe, medianeira e consoladora. Ela estimula a buscar as coisas do alto. Por isso, com seu Filho, nós a aclamamos ditosa (Pr 31,28).



Pe. Antonio José Clementino
Vigário Paroquial da Paróquia Menino Jesus de Praga